Pular Navegação (s)
12/07/2021

BR135 – A grande jornada

Há caminhos que precisamos percorrer para nos encontrarmos…

Em 2019 tive a honra de ser apoio de dois grandes atletas para esta grande jornada chamada BR 135 Milhas.

Preste atenção nestes números: – 217 km, por trilhas e montanhas, 13.500 mts de altimetria. Imagine-se subindo o Everest por duas vezes e indo a pé de São Paulo à Divisa do Rio de Janeiro.  Você terá ideia da grandeza do desafio.

Sim, para os que não são deste “nosso mundo”, nem imaginam que isto seja possível para uma pessoa.

É um desafio digno de um “Super Humanos” programa apresentado no canal @discovery.

Fiquei maravilhado em ver a grandeza de tudo aquilo, do prazer em terminar tamanho desafio e dizer: Sim, é possível. Mas será que é? Será que eu teria forças, paciência, persistência pra treinar para tamanha odisseia?

Bem, fato é que não pensava em encarar uma jornada destas tão cedo, mas a pandemia que mudou o mundo, também mudou algo dentro de mim. Comecei a sentir um senso de urgência, não sei se justificável e sadio ou não, mas fato é que sentia uma necessidade urgente e extrema em fazer aqueles planos que estavam para daqui uma década e que, dei por mim, quem garante que aconteceria e, menos ainda, quem pode dizer que não seria melhor agora, já?

Quando você treina sua mente, em conjunto com seu corpo, a máquina humana é capaz de coisas incríveis.

Foram treinos intensos, trabalho de longas horas durante os finais de semana… Havia dias de começar antes do sol nascer e chegar em casa a tardezinha de um sábado ou um domingo… Outros de sair ao sol do meio-dia e retornar com ele já baixo, me “encarando”, como se dissesse: “E aí, aguenta?” e eu já mole e com dores causadas não só pelo treino, mas pela desidratação, cheio de marra respondia: “Pode vir. Bate mais.”

Muita gente pensa que a preparação é “só” correr, mas há muitas outras partes do processo envolvidas.

Ao contrário do protocolo, treinava retirando a alimentação, para entender onde estava a falta.

Havia dias de terminar o treino com a urina negra ou com sangue, sintomas de desidratação severa. Tudo isto foi necessário para entender onde eu precisava atuar. Ajustar isto seria mais fácil num treino do que durante a prova.

Assisti muitos, mas muuitos filmes, como toda série de “Rock Balboa”, “Até o Último Homem”, “David Goggins”… isto me ajudaria na parte de treinamento mental, quando ela perguntasse “O que estamos fazendo aqui”?

O sono nunca foi problema pra mim. Desde cedo precisei varar madrugadas adentro no trabalho. Quando há necessidade eu me transformo e neutralizo o sono por muito tempo. É algo maluco, como um instinto de sobrevivência, como se virasse bicho.

O horário de largada era flexível, entre 10 às 16, resolvi largar no último horário.

A BR estava começando de fato

PARTE 2: 

Passei a parte 1 com 13 km, entrei na trilha do “Deus me Livre”, sempre mentalizando a força necessária neste percurso e dosando. Passava pelos atletas que haviam saído antes e todos espantados com o ritmo mas…era isso. Estava treinado e sabia como fazer aquilo. Estava muito bem preparado para os primeiros 100 km que esperava passar por eles sem nenhuma surpresa.

Cheguei ao final da trilha com 33 km acumulados e bem na hora dos últimos raios de luz (Perfeito, odeio lanterna de cabeça).

Minha equipe me esperava com colete refletivo, lanternas, roupas secas e… Um pastel. 😋😋

Diversão garantida até a Subida do Pico do Gavião. Dois carros de quartetos me alegravam com o rock and roll e a diversão de eles trocarem a cada 15 min de corredor. Entendi que não deveria acompanhar o ritmo deles. Eles estavam em 4 para se revezarem e eu estava só!

A garoa fina não dava trégua, mas eu já percebi que estava com sorte quando fiquei sabendo que logo após eu sair da entrada da primeira trilha, desabou um temporal por lá.

Subidas sem fim ditam o ritmo desta primeira parte. É o primeiro teste para saber se você realmente está preparado. Se você não tiver paciência e se exceder nelas, provável que não veja as últimas montanhas da prova.

Chegamos a Andradas, 66 km de prova e a chuva apertava. Hora de encarar a “Serra do Lima”. Subida forte, desafiadora e muito longa. Quilômetros e quilômetros que te enfadam e sugam sua energia mental.

Neste ponto as coisas começaram a se complicar. O carro não subia e começou a atolar. Força pra lá, pra cá… Tentávamos de todas as maneiras e não saía dali. Se não resolvêssemos o problema naquele ponto, a prova havia acabado para mim. Era muito cedo para este tipo de imprevisto.

Quase uma hora perdida em dois atolamentos e com a ajuda de amigos (A BR é uma família) seguimos, confiantes e animados.

Chegamos ao KM 80, onde há o famoso macarrão da Dona Natalina. Diz a história que: “se você souber corresponder ao seu sorriso simpático e apreciar seu macarrão, terá energia dobrada no resto do percurso.”

Até ali eu não sabia se era verdade, mas estava com 9 horas de prova e precisava muito de um macarrão e um bom banho.

PARTE 3 

** KM 80, Dona Natalina **

Foram 1:20 não gastos, mas ganhos, neste lugar mágico. Histórias, resenha, umas mentiras (corredor é igual pescador), um bom banho e um macarrão alho e óleo de fazer gosto em muito restaurante de grife por aí.

Roupa limpa, perfume passado e bora partir para o que vinha pela frente.

Saímos debaixo de uma chuva insistente e muuuito barro.

2 km a frente, agradeci imensamente por aquela parada:

Meu carro de apoio teve de fazer um desvio pois não descia para Barra, que era a próxima cidade.

Peguei uma pequena garrafa para hidratação e meu corta-vento e desci. Afinal, nos encontraríamos logo a frente e eu havia acabado de comer e muito bem.

Erro chulo. Cheguei ao final da descida e… “Cadê o carro?”

Falei com uma equipe que estava esperando seu atleta, pedi um copo d’água para não me utilizar de minha única fonte de hidratação e pedi que os avisassem caso chegassem por lá.

Sai, resoluto, rumo ao temido Morro do Sabão (já imaginam, né?).

Uma subida insana que quase me fez perder o rumo e me fez dar uns bons tapas na cara e lembrar que era aquilo que eu realmente queria.

Desci confiante, já com quase nada de luz na lanterna, economizando ao máximo o que podia de energia, rumo a cidade de Crisólia.

Caso não os encontrasse por lá, o plano já estava traçado. Conseguir me hidratar, conseguir algo para comer com algum carro de apoio e partir para o próximo ponto, até que me encontrassem. A esta altura já não sabia se estavam perdidos, atolados… Alegria sem fim quando cheguei ao asfalto e no meio a tantos carros, reconheço a imagem do nosso e os gritos de minha equipe.

Uma prece “Obrigado Deus.” e confiança que retoma imediatamente. Os 8 km que faltavam até atingir a marca dos 100 K foram “fáceis”. Fluíram…

Ao atingir 100 km, um belo arco-íris se desenhou no céu, misturado aos primeiros raios da manhã, mostrando que realmente tudo aquilo valia a pena.

Os primeiros raios da manhã também trouxeram consigo dores e cansaço. “Hora de comer”, pensei.

Chegamos a Ouro Fino e já “cacei” uma padaria no caminho.

Pão de queijo (afinal, estamos em Minas), cafézim, pão na chapa… Mas mesmo assim, ao sair de lá o cansaço teimava em ficar.

Achei um banco na praça central da cidade, com uma belíssima vista e uma árvore de Maritacas que foi a sinfonia mais doce que já ouvi. Ficar ali por 20 min me trouxe paz e, mesmo sem dormir, me vi renovado.

Saí em disparada para recuperar o tempo perdido.

As cidades foram ficando para traz, Ouro Fino, Inconfidentes…Chegamos em Borda da Mata às 11:30 completos 135 quilômetros e um sorriso que já não cabia em mim.

Acreditem, eu já estava com fome, e conhecia o lugar perfeito para um belo almoço…

PARTE 4 

“Esta prova começa em Borda da Mata. Você já está cansado e são duas maratonas duras.” As palavras do grande e experiente @raphaelbonatto no café da manhã no dia anterior ecoavam na minha cabeça.

Eu estava bem mas os pés já estavam surrados. Precisava ter cautela.

Logo vieram as subidas insanas. Estava em marcha para a Porteira do Céu. O nome nestas circunstâncias não é bom e pela primeira vez resolvi fazer uso dos bastões. A marcha foi constante e cheguei até lá com a sensação de vitória. Recuperei o ar, hidratação generosa, e comecei a descer aquelas montanhas com uma força que não entendia como ainda estava ali. Toda hora minha equipe parava ao lado e dizia: “beba água”  e eu: “somente ao fim da descida”. Eu não queria parar. Estava com fome… de KM.

Chegamos a Tocos do Mogi e logo avistei um Açaí e, lógico, que pedi. Aprendi com meus amigos cariocas no passado “- Barriga cheia, coração feliz.”  Saí dali após uns 15 min e comecei as subidas para fechar a 4° Maratona, em Estiva.

Ao chegar ao último PC, o cheiro de janta em um restaurante me convidou e quando sentei, senti meu corpo muito quente, com muita febre. Não sabia até então o motivo mas era o sol de todo o dia, cobrando sua conta. Tomei um antitérmico e recebemos a notícia que o carro de apoio não poderia seguir no caminho.

Acho que esta foi a única hora que minha mente vacilou e quis que acabasse logo tudo isso. Não falei para eles por vergonha mas minha vontade era ZERO de correr. Pedi que fossem comigo ao menos os primeiros km para que eu não ficasse tanto tempo sozinho.

Assim foi e reduzi esta conta para 16 km sem ninguém. Nesta hora não achávamos mais pilhas, uma bagunça no carro e fui com pouca iluminação pela trilha.

Foi a parte mais dura pois o barro cobria os pés, dificultando ainda mais o trajeto. A Serra do Caçador castigou pelo barro e altimetria e a escuridão era intensa e o silêncio ensurdecedor.

Percebi que havia cometido o maior erro da prova: Não ter colocado um tênis com grip e nem os bastões. Isso me deu raiva. Não podia cometer estes erros nestas horas. Isto podia ser fatal.

Na descida final eu gastava mais tempo que nas subidas. O barro estava nos tornozelos e era impossível ficar em pé. O cheiro não era mais de lama e sim de chiqueiro. Nem queria saber no que estava pisando. Que bom que estava escuro.

PARTE FINAL

No momento em que chegava a cidade o meu carro de apoio emparelhou comigo, trazendo de volta a alegria.

 

Chegamos a praça central de Consolação e fui trocar de tênis e cuidar dos pés.

O corpo esfriou e pela primeira vez, dormi. Foram uns 20 min, mas para mim, horas.

Acordei renovado. Já sonhei com a chegada. Eu havia acordado ou estava vivendo um sonho?.

Até agora ainda não sei.

Só sei que ia chegar em Paraisópolis… Tinha uma meta e ela nunca esteve tão perto.

Os últimos 22 km foram os mais demorados, mas também os mais agradáveis das últimas horas. O @junior_diesel abandonou o carro e fez um esforço absurdo para me acompanhar neste último trecho e eu não tinha o direito de reclamar de minhas dores. Eu estava ali por um sonho, ele estava vivendo o meu.

Quase não houve corrida neste trecho. O corpo já estava frio e eu não tinha vontade alguma de esquentá-lo, pois correr também significava enfrentar a dor e eu já não queria.

Mas eu sabia e me lembrava bem da última subida. Sabia como ela era e para que lado ela virava, lembrava de cada detalhe dela.

Quando finalmente ela chegou, algo incrível aconteceu: A dor passou, na verdade ficou de lado, dando espaço a alegria. O amor de Deus inundou meu coração e eu gritava, explodia e corria. Começamos a correr e a louvar “Será sempre Deus e sempre me amará…” e assim foi, até cruzar a tão sonhada faixa, onde cai de joelhos em gratidão. 🙏

Era um dos maiores momentos da minha vida e sem dúvidas o maior como atleta.

As palavras da Monica Otero, Ultramaratonista experiente e que já cruzou diversas trilhas e caminhos ao redor do mundo começavam assim: “- Você concluiu a BR135 na categoria solo. Uma das provas mais difíceis do mundo e você vai receber uma placa em homenagem a isso…” As palavras soavam longe, como um sonho. Mas o sonho era real…

Ainda estou andando pelas ruas com um sorriso bobo. Sorriso que insiste em ficar por aqui.

Você já teve a sensação de tocar o impossível? Eu já.

 

 

 
(11) 2625-2999